Deficiente mental ou retardado?

Ontem fui corrigido por uma mocinha – “tipo” uns dezessete ou dezoito anos, sentada à mesa ao lado – porque, numa conversa com um amigo numa padoca, me referi a uma pessoa que conhecemos como “retardada”.

A jovem, bastante agressiva em defender o uso da expressão “deficiente mental”, me chamou de velho caduco e, como não reagi, progrediu para gordo nojento e outras coisinhas mais.
É claro que não pude reagir. Afinal, eu estou mesmo velho e gordo. Só não me considero caduco nem nojento, mas… Vai saber qual é a mágoa que ela estava descontando em mim, provocada por um velho gordo qualquer que lhe causou algum mal? Talvez até seu próprio pai? Por outro lado, se reajo à altura, quem você acha que seria considerado o agressor?
Só fiquei encarando a moça com a desesperança que tenho (e acho que muita gente me acompanha nessa) num país (mundo?) onde esse tipo de gente, se já não é, logo será maioria.
Pois é: para ser politicamente correto, eu deveria ter me referido ao retardado em questão como “deficiente mental” ou, pra ser ainda mais “adequado”, como “indivíduo portador de síndrome de Down”…
Comentei sobre isso com meu amigo e ele, velho como eu e talvez mais sábio, me aconselhou a deixar pra lá. Neófito na doutrina espírita, onde sou incentivado a praticar a tolerância, acabei concordando e a ignoramos, continuando nosso papo.

Aproveitei então pra contar-lhe um causo de uns cinquenta anos atrás. Coisa antiga, o que só vem confirmar que sim, estou velho pra caramba! Coisa do meu tempo de criança.
Nesse tempo, a gente chamava as pessoas com retardo mental de… retardadas.
Em nossa credulidade infantil, aquelas crianças diferentes com quem brincávamos só estavam atrasadas. Como diz o dicionário, retardar = atrasar. Que talvez demorasse, um pouco mais, um pouco menos, mas acreditávamos que elas um dia alcançariam o desenvolvimento de todas as outras, ditas normais.
Diferente do atual “deficiente mental”, que coloca um carimbo indelével nessas pessoas, atribuindo-lhes o futuro de ser para sempre, menos.

Juquiá (olha ela aqui outra vez!), ainda era uma cidade muito(!) pequena, daquelas onde todo mundo sabia da vida de todo mundo. Vivia ali um senhor já de certa idade chamado “seu” Chiquito (acho que era esse o seu nome). Uma simpatia de pessoa, sempre rindo, brincava com todo mundo, principalmente com as crianças, que adorava. Baixinho, barbudo e…
Retardado.

Em função disso, não trabalhava. Não que não quisesse. Não deixavam… porque era retardado.
Então ele ficava quase o dia inteiro com as crianças na rua (nosso playground), assim como um “babá” e companheiro de brincadeiras.
De todas as brincadeiras, a que a criançada mais gostava era a de fazer um risco no chão (as ruas ainda eram de terra), fechando um círculo em volta do “seu” Chiquito.
Acabava sendo uma malvadeza, uma vez que ele ficava dentro do círculo, o tempo que fosse preciso, preso até que um de nós “abrisse” uma “porta”, apagando uma parte do risco.
Chegava a chorar se a gente demorasse para “soltá-lo”.
Por outro lado, “seu” Chiquito era nosso mais valoroso defensor, contra tudo e contra todos, mesmo quando aprontávamos alguma.
Fosse um irmão, pai ou mãe, tio, qualquer um que se atrevesse a ameaçar um de nós com uns tapas ou uma boa surra (nessa época ainda se castigava as crianças com umas palmadas no bumbum). Que às vezes até que era bem merecida…
Nessa hora ele virava o amigo grandão, que nos escondia atrás de si e impedia o “ataque”, abanando o chapéu de palha e exclamando:
– Não bate nele, não! Ele ainda é “bestinha”! Ele não sabe o que faz!…

Te lembra alguém?

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