Cuscuz?

Outro dia, tomando um café com um amigo na padoca da Fradique, falávamos sobre a nova geração de crianças “mimizentas”, quando ele reparou que um garotinho, de uns nove ou dez anos, acompanhava nossa conversa com muito interesse.
O pai e a mãe, pra variar “ocupadíssimos” com seus celulares, não lhe davam qualquer atenção.

O fato de eu usar um tapa-olho obviamente devia ajudar a chamar muito sua atenção. De meu lado, não estou nem aí quando uma criança me encara, doidinho pra me chamar de “pirata”! Já aconteceu várias vezes e até me divirto com a situação.
Quando é um adulto, principalmente homem, aí o “bicho pega”.
Tem uns metidos a engraçados que resolvem “tirar uma” com minha deficiência e aí é certeza de ouvir poucas e boas – minha paciência com a falta de educação foi embora com a idade… Ficou a tendência de apelar para os mais cabeludos palavrões!

Voltando ao garoto, seu interesse se dividia entre meu tapa-olho e a conversa – devia estar surpreso ao ver dois adultos conversando, sem ser pelo celular…

Dei uma piscada pra ele com meu olho bom e ganhei em troca um sorriso dos mais entusiasmados.
Meu amigo e eu continuamos nossa conversa, agora eu tomando o máximo cuidado para não entremear e pontuar cada frase com um ou mais palavrões.
Me desculpem os politicamente corretos, mas tem “defeitos” que o tempo não corrige – às vezes até “aprimora”!

Aproveitei o momento para contar um caso, que aconteceu comigo, quando tinha mais ou menos a idade daquele garotinho. Aproveito e conto aqui pra todos:

Início dos anos sessenta, aproveitava o período das férias escolares para acompanhar meu pai em suas andanças políticas pela região de Juquiá, sempre em sua Kombi – uma paixão que o acompanharia até o fim da vida.

Aproveitando a grande capacidade da perua, o velho costumava oferecer carona para quem quer que andasse a pé por aquelas bandas.
Aproveitava pra fazer um pouco de campanha política com os caroneiros, “obrigados” a ouvir sua arenga. Estabelecia-se assim um certo tipo de troca: passagem grátis = ouvidos alugados.

Isso posto, aconteceu de certa vez ele oferecer carona para um sujeito que parecia totalmente deslocado para aquelas bandas: terno escuro, gravata, sapato de couro, brilhantina no cabelo, óculos ray-ban…

É claro que o janota aceitou a oferta e, como o sujeito estava bem vestido (acho eu), meu pai me despachou para o banco de trás, abrindo espaço no banco da frente para o ilustre caroneiro.

É claro que eu não gostei nada da troca… O lugar na frente era meu por direito!

Após as apresentações de ambos, meu pai iniciou sua “malhação” política…
O caroneiro só resmungava e assentia com a cabeça, o que não fazia a conversa “prosperar”.
Assim, o assunto foi morrendo e dali a pouco só se ouvia o ronco do motor da Kombi e do cascalho estalando sob os pneus – estrada de terra ainda!

Foi então que me ocorreu me meter na conversa e, chegando na “divisória” entre a cabine e a carroceria, perguntei ao engomadinho se ele queria ouvir uma piada, coisa que ele aceitou de imediato. Pelo visto estava já bastante desconfortável com a conversa – ou a falta dela.

Aqui é bom contar que, assim como toda criança, eu era muito curioso sobre as “coisas de gente grande”. Então, quando aconteciam reuniões em minha casa – políticas, em sua maioria – eu sempre achava um cantinho onde não fosse visto, mas de onde pudesse ouvir toda a conversa dos adultos.
Daí eu ter um bom repertório de piadas, algumas “proibidas para menores e senhoritas”, como dizia meu pai.

Escolhi uma que achei mais “inocente” – e que tinha a ver com os costumes da região, o que me pareceu muito apropriado, afinal o sujeito parecia não ser dali…
Aqui vai ela:

“Contam que um forasteiro, visitando Juquiá pela primeira vez, ficou encantado com os costumes do povo do lugar… Pra cada ‘novidade’ um espanto! Principalmente as gostosas novidades da culinária caipira.
Vai daí que, passeando um dia pela praça da Matriz, ele encontrou o “Burro Cego”, um rapaz não muito esperto, vendedor de doces e salgados, que ele levava na garupa da sua bicicleta, numa caixinha coberta por um pano de prato.
O forasteiro se aproximou e levantando uma pontinha do pano para melhor apreciar o cheirinho que dali exalava – e querendo demonstrar que já era conhecedor de alguns dos hábitos locais, perguntou ao “vendedor”:

– Me diga aí, rapaz, por aqui vocês comem cuscuz?

Pergunta que fez o “Burro Cego” o encarar com a mais absoluta incredulidade e responder:

– Não senhor! Aqui nóis come é c’as boca mesmo!”

Pois é… Olhando meu pai e eu de esguelha, o caroneiro só deu uma risadinha sem graça e pediu pra descer na frente da primeira casa que apareceu na estrada.
Ainda tentou pagar a “corrida”, o que só deixou meu pai ainda mais aborrecido… Comigo!

O garotinho da padoca?
O garoto, a expressão mais feliz que você possa imaginar, os braços levantados balançando as mãos na frente do pai e da mãe, exclamava:
– Posso contar uma piada? Posso, mãe? Posso, pai? Ah! Deixa, vai!

Imagens: Pixabay Free Images

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