Nadando pelado.

Ali pras bandas do Rio das Antas havia uma vila dessas bem pequenas, onde não acontece nada de importante – nem de bom nem de ruim. No centro da cidade, como não podia deixar de ser, tinha a igreja matriz, a prefeitura e a praça principal (e única, aliás). Duas ruas: a avenida principal, com farmácia, correio, banco e vendinha e a rua de baixo, com bar, casinhas mais humildes e que inundava todo ano, na época das cheias do rio. Rio dos bons, água limpa, muito peixe, ingazeiros carregadinhos pendurados sobre a correnteza – cada vez que caía um bago na água era um ferver de pacuzinhos esfomeados e fáceis de pescar…

Subindo o rio, uma prainha que era a festa da criançada, principalmente nas férias, que coincidiam com o verão sempre muito quente. Sem ninguém para tomar conta, a molecada, logo que se viam sem a companhia das meninas, tiravam toda a roupa e nadavam pelados na maior algazarra. Todo mundo sabia, mas fazia de conta que não. Todo mundo não, por que na rua de cima, viúva bem de vida, morava dona Izaltina. Mulher aí duns sessenta, bem sacudida, sem filhos, fofoqueira das mais ativas, feia que nem a necessidade, dona Izaltina não perdoava o banho pelado dos meninos, que ela considerava um gravíssimo atentado ao pudor. E tome reclamação com o padre, autoridade maior da cidade em assuntos de sem-vergonhice. O padre, já bem velhinho, não tinha a menor vontade, nem condições físicas, de correr atrás de moleque para castigar pelo que ele até considerava uma atividade das mais inocentes. Ele mesmo, às vezes, sonhava em espantar o calorão dos dias mais quentes – principalmente usando aquela batina preta – com um bom banho de rio… Quem dera!…
Mas dona Izaltina não perdoava: todo dia de banho da criançada era dia de reclamação. Num daqueles dias, um especialmente quente, o padre resolveu dar um pouco mais de atenção às reclamações da mulher e acompanhou dona Izaltina até a casa dela para verificar o tamanho do problema. Aboletou-se no sofá da sala, aceitou o copo de chá gelado com limão, um pedacinho de bolo de fubá, que ninguém é de ferro e se pôs a escutar a algazarra dos meninos na prainha. Realmente dava para ouvir os gritos, mas o que diziam se confundia com os cantos da passarada e os barulhos da rua.
– Pois bem, dona Izaltina. – Ponderou o padre. – Até que dá pra ouvir um pouco do barulho, mas criança é assim mesmo…
– Com o barulho eu não me incomodo. – Argumentou a velha. – O que não posso aceitar é a pouca vergonha de ver esses meninos – quase homens! – todos pelados, sem o menor pudor!
O padre foi até a varanda dos fundos da casa, que dava para a rua de baixo, colocou as duas mãos cobrindo os olhos já cansados e os apertou na direção da prainha:
– Mas dona Izaltina… – Exasperou-se. – Daqui não dá pra ver nada da prainha, que dirá os meninos!…
– Ah! Mas dá sim! – Retrucou ela. – É só pular a cerquinha da varanda, trepar ali na pontinha do beiral, puxar os galhos do abacateiro para o lado com este cabo de vassoura, colocar esses binóculos do falecido que dá pra ver tudinho, TUDINHO!

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