Um causo de japonês.

Pra quem não sabia, a cidade de Registro, no litoral sul de São Paulo, foi “colonizada” por japoneses, que chegaram e se estabeleceram por lá na primeira metade do século passado. Uma gente trabalhadora e donos de um conceito muito arraigado de honra e ética, que se dedicou à agricultura – especialmente ao cultivo de chá. A maioria deles com muito sucesso.
Talvez em parte graças a essa influência positiva, Registro se tornou a cidade do litoral que mais se desenvolveu.
Pois contam que esta história, inocente e tétrica, aconteceu por lá, aí por volta dos anos 1950 ou 1960.

Nessa época, o saneamento básico da região era uma piada (em alguns lugares acho que ainda é). Chamavam a região de “nordeste paulista”, em razão dos baixíssimos índices de qualidade de vida. Meu pai foi prefeito de uma dessas cidades, então acho que falo com um certo conhecimento de causa. E um dos índices mais assustadores era o da mortalidade infantil.
Malária, esquistossomose, tuberculose e outras doenças grassavam por ali.
Então, aconteceu do filho mais novo de um desses colonos japoneses morrer de uma dessas doenças. Criança bem pequenininha, foi velada num caixãozinho na própria casa dos pais, chegados de novo ao Brasil e ainda não dominando a língua – já normalmente difícil para os asiáticos.

O povo caiçara, gente simples que só, tem alguns hábitos de solidariedade que hoje dariam um banho nos politicamente corretos de plantão. Não se dizia “que pena” ou “que dó” – o termo usado era “maenga”. Não se dizia “morte”, no vocabulário deles era “passagem”. Outros termos revelavam uma religiosidade acentuada, como “judiação”, “Deus levou”, “Meu Jesus Cristinho” e outros tantos.
No caso de uma criança, era usado chamar de “passarinho”, por sua pequenez e inocência.
Claro que os pais da criança não conheciam esses meandros do falar caiçara. Assim, recebiam todos os que vieram para o velório de acordo com seus costumes: em silêncio, com uma curvatura de corpo a cada cumprimento recebido.
E, é claro, esses cumprimentos invariavelmente eram de:
– Judiação! Se foi como um passarinho!, ou
– Maenga, o passarinho voou pra Deus!
Lá pelo vigésimo (ou mais) chegado, a casa de colono já lotada (caiçara não perde um evento, até velório), ele preocupado com o estoque de saquê, recebeu a visita de um vereador da cidade, sujeito metido a letrado, que tentava não “dar bandeira” de sua origem caiçara, mas era também um legítimo representante da terra. Daqueles que só dão as caras em situações que reúnem muita gente, onde aproveita pra fazer sua campanha.
Com ar compungido, mãos juntas, cumprimentou o pai da criança:
– Boa tarde, senhor… Que tragédia, que tragédia!… Qual foi o motivo da “passagem do seu pequeno passarinho”?
O japonês, sujeito sem malícia, já com o saco cheio daquela gentarada e daquela história de “passarinho” isso, “passarinho” aquilo, olhou carrancudo para o doutor e não se conteve:
– Não sei não, doutor… Mas acho que foi “estilingada”!

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