Rango saudável.

Dia de muito trabalho, nem deu tempo pra almoçar. Aí pelas sete da tarde o Júlio propôs que fossemos comer (por conta dele!) um filé muito famoso, num restaurante mais famoso ainda (será que ainda resiste?) ali pertinho da esquina mais famosa de Sampa.


Se você gosta de carne e nunca comeu, vá. Vale à pena: um filé alto, no ponto, ainda sangrando, soterrado num monte fumegante de alho tostado, acompanhado de uma salada fresquíssima de agrião.
Nem precisou muita insistência. Primeirões a chegar, antes das oito estávamos lá, ele bebendo uma dose de cachaça cristal e eu o chopinho de sempre, as bocas salivando pelo filé.
O garçom, um senhor alto e magro, “uniforme” completo: calça social preta, camisa branquíssima, guardanapo no antebraço, muito sério, trouxe nossos filés e, sem um pio, serviu os dois.
Virgem santa que a fome era tanta… Caímos matando na salada, que era pra preparar a “cama” no estômago para o filé. Muito azeite, vinagre, sal e só.
Mais uma cristal, mais um chope e vamos ao filé.
Nesse momento o Júlio parou, o garfo parado no ar, olhos arregalados para o prato, onde uma lagarta das grandes, verde, se retorcia com só a metade do corpo. O Júlio parou de mastigar, levantou num arranque e correu para o banheiro, lá no fundo do restaurante.
Voltou alguns minutos depois, branco como a toalha da mesa. Sentou, segurou a faca de churrasco (aquela, de serrinha, com ponta fina) tão forte que os nós dos dedos branquearam. Pra quem conhecia o Júlio, caipira forte como um touro, ex-peão, ex-policial, ex-dono de bar, invocado até “o úrtimo”, como dizem, era de se imaginar a pior das reações.
Com um aceno de dedo, num tom entre um resmungo e uma tosse, chamou:
– Garçom? Por favor?
Solícito, o taciturno garçom se aproximou:
– Pois não, senhor?
– Você não notou nada estranho no meu prato? – Perguntou o Júlio, apontando para a meia lagarta, que ainda se mexia. Ô bicho resistente!
O garçom olhou para o bichinho e, sem uma palavra ou expressão no rosto, tirou uma colher do bolso, capturou a meia lagarta e colocou num guardanapo. Dobrou o pano tão cuidadosamente que eu achei que fosse levar o bichinho para o pronto-socorro das larvas.
– Seu… Seu… – O Júlio só conseguia balbuciar, olhando espantado para ele.
Acompanhado de uma mesura, o garçom virou para o meu amigo:
– Caro senhor, o restaurante (nome do restaurante) se orgulha de só trabalhar com produtos naturais, certificados contra o uso de agrotóxicos e defensivos, portanto… – Deu uma pausa, para enfatizar. – O senhor pode comer de tudo sem medo!

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