Criado a pão-de-ló!

Alguns anos atrás, nas vilas do interior, quando não havia tanta facilidade para comprar carne, era costume se criar animais pelo sistema de “ameias”. Funcionava mais ou menos assim: alguém da vila, que tinha lá um empreguinho razoável e, portando, algum dinheiro sobrando, comprava uma ninhada de qualquer coisa – leitão, pintinho, bezerro e combinava com um sitiante amigo para a criação dos bichos e posterior partilha, quando os animais chegassem no tamanho para o abate ou começassem a botar ovos ou dar leite, o que seja.

Negócio feito ali, no fio do bigode. Um dava o insumo e o outro desenvolvia. No final do prazo, repartiam meio a meio.
Isso tudo devidamente explicado, vamos ao caso.
Meio de ano, o Ibrahim da venda viajou até Santos e comprou uma vara de leitõezinhos de raça, que tinham acabado de chegar ao porto. Bichos bonitos que era uma beleza. Tinham vindo da Inglaterra, todos branquinhos com manchas cor de café, focinho cor-de-rosa, olhos verdes ou azuis, pelo branquinho que nem algodão.
Voltando para Juquiá foi um alvoroço. Todo mundo queria ver os bacorinhos do Ibrahim. De imediato apareceram uns dois ou três interessados em fazer a criação dos bichos em “ameias”.
Com tanto pretendente, o turco da venda podia se dar ao luxo de escolher com quem fazer negócio. E acabou escolhendo o Joca da Dona Cotinha, sujeito bom de trabalho, honesto até a raiz dos cabelos. Não era lá muito esperto, mas compensava com muita boa vontade e mansidão no trato.
Feliz como pinto na bosta, lá se foi o Joca com os leitõezinhos para o sítio que tinha logo ali na saída da cidade, indo pra Piedade. Montou um cercado novo, só com madeira da boa, todo forrado de pedregulho de fundo do ribeirão, no canto uma bela poça de lama pra porcada se esbaldar, um coberto de sapé para dormida. Uma belezura.
Um mês depois chega o Ibrahim para dar uma olhada no andamento do “negócio”. Assuntou tudo e, quando chegou na comida dos bichos ficou escandalizado quando soube que o Joca estava alimentado os porquinhos com lavagem:
– Mas “brimo”! Então eu trago os melhores e mais caros leitões do mundo para tu criares e tu dá lavagem pros meninos?
Envergonhado que só, o Joca prometeu providenciar uma comida de mais valia para os leitões.
Avançou na horta da mãe e quase acabou com as verduras e legumes. Moeu uma boa parte do melhor milho, aquele escolhido para semente e passou a fazer um mingau adoçado com açúcar mascavo, tudo isso acompanhado de muita banana-da-terra moqueada.
Duas semanas depois volta o Ibrahim. Olhou a ceva dos bichos, chamou o Joca de canto e reclamou:
– Joca de Deus! Isso não se faz, homem! Tanta gente no mundo passando fome! Meus parentes lá no oriente não tem nem batata pra comer e você aqui, dando esse banquete pros porcos. Ora, faça-me o favor!
O Joca não sabia onde enfiar a cara. O turco tinha razão: aquilo não estava certo, ele ia dar um jeito, ora se ia…
Mais um tempo e volta o Ibrahim:
– E então, “brimo”? Resolveu o problema da alimentação dos bichinhos?
– Resolvido! – Respondeu o caipira. – Agora, quando chega na hora do almoço, eu dou dez reais pra cada um e mando os bichinhos irem comer o que eles quiserem, lá na pensão do Zé!

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